Manter-se no momento presente parece ser um mantra moderno, apesar de sugerir uma sabedoria, notadamente, ancestral. Eu que acredito na proposta, vez ou outra, me pego tentando sentir o agora para não surfar na onda da ansiedade. Sinto os pés roçando a cama, ouço os passarinhos que acordam antes mesmo do meu despertador, experencio o silêncio, olho as formas de cada objeto que me rodeia... No afã de não me render a pensamentos acelerados sobre situações irreais, percebo como a vida é fato, nós, seus objetos práticos! Assim, sem anseios por um futuro incerto, somos apenas coisas que compõem a paisagem. Porém, além da nossa questão figurativa, somos humanos carregados de sentimentos e percepções: nos rendemos a uma paixão, a uma expectativa, desejamos algo ou alguém que não temos, queremos uma vida que seja bem diferente dessa que estamos vivendo agora!
Se os universos paralelos existem, gostaria de saber sobre a mulher que eu sou vivendo de outra forma: como mãe, como esposa; quem sabe, a mulher vivendo em outro país, exercendo outra profissão, poliglota ou a que nunca teve medo de voar de avião. Todas as versões, supostamente, perfeitas se comparadas à vida que tenho agora. Então, de repente, me pego pensando que essas outras, talvez, estejam sonhando com a mulher que sou aqui: a jornalista, a escritora, a independente, a que se rende ao amor que escolhe, a que ainda carrega dentro de si a menina livre e de pés descalços. A única mulher possível é essa que sou agora! E não há nenhuma teoria da Física que possa me levar para outro lugar que não seja o meu: exatamente este, onde aprecio o Sol que invade a minha janela, onde permito que as minhas alegrias se transformem em risadas, onde me entrego à paixão com insensatez, leio meus livros com desvelo e me enterneço pelos olhos da minha sobrinha, cuja cor lembram as folhas secas. Esse verde bonito, de tonalidade opaca, assim como desbotados são alguns desejos não cumpridos. O que não aconteceu também faz parte do que somos.
É preciso abrigar todas as versões de nós: abraçar as que são reais e possíveis, mas desejar as outras possibilidades. As propostas, as desejadas, as que se permitem ou nos incomodam, para que possamos ser essa tela de várias nuances, onde cada cor compõe o quadro que apreciamos, justamente, por ser colorido.
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