memórias

Nem cartas nem contas

Contou-me que estava em Guarapari, eram as primeiras férias de sua vida. O mar de gente, os castelinhos na areia, o picolé de chocolate, o milho cozido e as insistentes fotos da vovó na velha Yashica MF1 que ela dizia, com muito orgulho, ter um rolo de 36 poses. "Uma das fotos segue aqui só para vocês verem como estávamos todos queimados de Sol!" E completava: "Foi tudo uma novidade e assunto para mais de dias quando voltamos para casa!".

Alguns anos depois, enviou um cartão-postal do estrangeiro, agora mais concisa: "A neve é branca de doer os olhos, mas, ainda assim, impossível não se encantar!"

Em 1991, enviou as fotografias do bebê e uma cartinha de uma mãe de primeira viagem, cheia de medos e afetos. O papel amassado por um líquido que havia secado nos deixou uma dúvida: perfume ou lágrimas?!

Uns anos depois, disse que não escreveria mais! Agora era tudo por e-mail e Caio poderia nos ajudar nessas comunicações. Afinal, ele era jovem e antenado! E assim foi.

As cartas escritas a mão foram sumindo, sumindo... Ninguém me contava mais nada! A ferrugem veio comendo minhas beiradas. Repintaram-me ao longo dos anos. Em 1997 de verde-esperança; em 2001 um cinza, sem graça de tanta pena dessa velha lata!

Da menina que me escrevia nada mais chegou. Um dia, cruzando esse portão, já senhora de si, celular na mão, olhou-me espantada e disse à madrinha:
_E essa caixa de correio?! Nem contas ela deve receber mais!

No que a velha Francisca, lá do alpendre, tão cheia de histórias e cartas antigas como eu, disse apontando a mão para mim:
_Nem cartas nem contas, mas é minha antiga companheira. Ela e eu somos de um tempo que era preciso saber esperar!

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