Domingo, Dia dos Namorados e um convite matinal para comparecer à Praça da Liberdade para tirar uma foto com outras escritoras mineiras de Belo Horizonte. Minha primeira reação foi “Que legal!”, mas logo veio a dúvida: “Será que vai alguém?”. Ledo engano. Às 10h35 desci do Uber e logo avistei dezenas de mulheres em frente ao prédio histórico do Centro Cultural do Banco do Brasil. Cheguei, fiquei no cantinho da escadaria num misto de surpresa e timidez ao ver tantas mulheres segurando seus livros, tagarelas e felizes. Um calorzinho subiu pelo meu rosto e sorri satisfeita de ver tantas escritoras anônimas, assim como eu.
Ainda encantada pela maré de mulheres que escrevem à minha frente, despertei, interrompida pela voz de uma senhora:
_Era para trazer o livro? Esqueci!
Fiquei na dúvida se ela era uma escritora ou apreciadora do movimento. Seus cabelos claros, cortados acima dos ombros, seus óculos de grau e um colar curto lhe davam um ar de professora primária, que me confundiram. Respondi que sim, eles haviam sugerido. O marido dela, que estava ao lado, respondeu sem vacilar:
_Volto em casa e busco. Qual você quer?
_A coleção da bruxinha.
E foi assim que percebi que estava diante de uma escritora infanto-juvenil, autora de dezenas de obras, que ela foi me mostrando pelo celular. As capas coloridas e os títulos divertidos e inocentes, foram sussurrando no meu ouvido o encantamento que os livros me causavam na infância e como eu era curiosa a respeito de todas as histórias que habitavam aquelas páginas. Quem escreveu? Quem desenhou? Como seria a autora? De onde saiu aquela personagem? Então, eu estava diante de uma autora infantil, talvez muito parecida com todas que desejei conhecer ainda menina. Graças a pessoas como ela, eu me descobri em uma biblioteca de escola pública. Primeiro, por amar os livros; anos depois, por amar a escrita.
Esse domingo de encontro de mulheres escritoras, algumas em Belo Horizonte; e outras que se encontraram Brasil afora, é sobre a beleza de contar histórias e como elas transformam as vidas das pessoas. Modificam nosso pensamento, nos despertam para o desconhecido, nos encantam pela magia do improvável, assim como nos contam sobre as dores e as verdades do mundo.
A moça que escreve sobre a imposição da maternidade; a psicóloga que escreve sobre a saúde mental de mulheres negras; a menina de cabelos cacheados com seu livro de ficção; as mulheres de óculos coloridos e suas poesias; as meninas de 20 e poucos; as senhoras de 60 e tantos; e as escritoras que não são mais anônimas se misturando à maré de mulheres e palavras: faladas, escritas e sentidas. Todas reunidas na escadaria de um prédio centenário.
Foi assim em Belo Horizonte, onde escrevi “Mineiros não dizem eu te amo” para dizer que afeto também é gesto; em Roraima, onde uma escritora foi com seu cocar; em São Paulo, onde a fila de autoras fez volta no entorno do Pacaembu; em Fortaleza; em Londrina; no Rio e outras cidades mais.
Não sonhei em ser escritora na infância. Eu morava no interior e era raríssimo conhecer alguém que publicasse livros. Porém, esse sonho era semente em mim e a vida se encarregou de germinar. Ao mesmo tempo que vi filmes e li reportagens sobre a história de mulheres que escreviam, mas não assinavam suas obras, porque em diferentes lugares do mundo, a sociedade não dava voz a elas. Ainda assim, sempre fomos muitas e continuamos a ser.
Pela memória de Virginia Woolf, Mary Shelley, Cecília Meireles, Carolina de Jesus, Lya Luft, Cora Coralina e milhares de outras. Em tributo a Conceição Evaristo Costa, Marta Medeiros, Cris Pàz, Leila Ferreira, Adélia Prado, Aline Bei e todas aquelas que estão escrevendo agora, anonimamente, por amor à escrita.
Escrever é potente. Escrever é verbo e também se conjuga no feminino.
Parabéns às organizadoras do encontro: Cristiana Rodrigues, Giovana Madalosso, Paula Carvalho e Natália Timerman!
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