Minha tia adorava contar a história que eu viria ao mundo no dia 26 de julho, mas um médico mentiroso disse que havia surgido um compromisso de última hora e saiu do hospital sem mais explicações. Como era um parto de cesariana, ele não se importou em reagendar para o dia seguinte. De toda forma, ela dizia, eu estava fadada a ser leonina. Minha juba, minha constante vontade de estar no centro das atenções, tomando decisões sobre tudo, vinham daí. Ela dizia com um sorriso e a sobrancelha esquerda arqueada. Eu que, naquela época tinha apenas 18 anos, acreditava realmente que a astrologia havia determinado minha personalidade, mas com o passar dos anos eu percebi que era muito mais que o Sol em Leão que regia meus impulsos.
No Planeta Valentia, eu tinha minha avó, uma desbravadora dos próprios desejos. Era como se ela olhasse uma mata fechada e dissesse: "Vou fazer um caminho por ali!" Os mais prudentes, quem sabe invejosos, diriam: “É perigoso! Tem onça escondida e cobras podem te picar!”. E quando mal terminavam de falar, lá estava minha avó já na metade da trilha. Um pouco arranhada, a boca seca de sede e ansiedade, mas indo… E de tanto ir, quando cheguei a este mundo, a mãe de meu pai já estava com sessenta anos de alma, mas vinte e poucos anos no coração. As roupas descombinantes, os cabelos desgrenhados e os comentários que circulavam entre um humor genuíno e pitadas de acidez regeram minha infância em sua casa. Éramos, ao mesmo tempo, livres e reféns de nós mesmas.
Porém, quando eu retornava para o meu lar, meus pés pisavam no Planeta Afeto, o que regia minha mãe. Ela que havia sido criada sem o colo de sua própria mãe, parecia ter transformado ausência em acolhimento. Sabia ouvir palavra por palavra até que o meu silêncio a alcançasse. Nela, tudo o que eu dizia e não dizia, refletia como espelho. Parecia que ela tinha toda a verdade no coração, mas, intuitivamente, fazia com que eu colhesse minhas próprias conclusões. Tal, como minha avó, eu ia construindo meus caminhos, mas vestida com uma capa invisível e resistente, chamada amor.
Cresci, amadureci e conforme experimentei as desilusões, o Planeta Resiliência chegou a uma de minhas casas. Este, apesar de difícil, era onde minha tia habitava. Uma mulher culta, que parecia ter lido todos as obras e conhecido todos os lugares da Terra. E que adorava dizer que, durante toda sua vida, engravidou de palavras e deu luz a livros. Os gibis, o meu primeiro diário, as bijuterias coloridas e o batom vermelho vieram dela. Porém, com o passar do tempo, se apossando de mim a vida, essa minha tia fez mais: me ensinou sobre amor-próprio ao repetir, insistentemente, que eu cuidasse do meu corpo e da minha mente, que guardasse meu dinheiro para estudar e viajar...E que, sendo dona do meu próprio amor, ele jamais poderia ser rifado por ninguém.
Hoje, com a quase idade que tinha minha avó quando eu nasci, sei que carrego o DNA dessas três mulheres. Não por pura genética, mas por uma força mais poderosa chamada exemplo. Relembro cada uma delas, talvez, confundida pelas mentiras que o tempo nos conta, algumas vezes, sem aquela ingenuidade da juventude; perdida entre um traço físico que era de uma delas e hoje vejo em minhas filhas… Ainda assim, de todas as formas, sempre que delas me lembro, tenho certeza que são as mulheres-planetas que regem as nossas personalidades e iluminam os nossos destinos.
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